" Há muitos anos que eu ouço falar na associação de escritores,
denominada elogio mútuo.Constava nas províncias do norte, que, nesta Lisboa, viveiro e alcáçar
dos potentados da inteligência, alguns escritores se haviam acama-
rado, e estatuído que uns aos outros se elogiariam de modo que, fora
do seu círculo, nenhum talento pudesse vingar, e nenhum talento pudes-
se vingar, e nenhuma imprensa desse notícia dele ao mundo. Entre os
confrades desta associação do panegírico, citava-se o teu nome,
Ernesto Biester, como um dos mais observantes e impecavéis sócios
do elogio mútuo.
Este pacto, censurado acrimoniosamente pelos escritores provincianos,
a mim não me pareceu bom nem mau. A gente, que eu via louvada e
encarecida nas tuas revistas literárias, merecia sê-lo; a outra, que tu
não encarecias nem barateavas, também eu a não conhecia. Pode
ser que tivesses muita razão e muita caridade em a deixar no
tinteiro. Eu também lá fiquei, e mais nove volumes que tinha publicado,
quando tu, há anos, deste a lume uma Viagem pela literatura contem-
porânea. Não me queixei, nem me doí. Dei uma satisfação à minha
vaidade, dizendo-lhe que nenhum escritor lisbonense achava praticá-
vel o absurdo de haver homem no Porto, ou do Porto, que escrevesse
livros legíveis, e demais a mais, louváveis. Acreditava aqui ninguém
que lá, daquelas serras do norte, pudesse vir coisa boa, a não ser vinho
e presuntos? O Porto havia mandado a Lisboa mais alguma coisa,
assim uma coisa insignificante como a liberdade; mas essa fora
uma dádiva atirada, por sobre toda a monarquia, com pulso de ferro;
e pulso de ferro é ideia muito material, quase a antítese de adelga-
çamento de intelecto.... "
Camilo Castelo Branco
In Esboços de Apreciações Literárias